terça-feira, 30 de novembro de 2010

OS MISTÉRIOS DA INICIAÇÃO

    As cerimônias de iniciação compõem um fenômeno universal, comumente discutido por milologistas e antropólogos. Resgatamos sua ocorrência desde as mais priscas eras. Já na Pré-história há evidências indiscutíveis de crenças firmadas em outra vida além desta, como nos atestam as sepulturas do homem de Neanderthal, predecessor remoto de nossa espécie Homo sapiens, que datam de 200 mil anos. Nelas foram encontradas provisões, além de esqueletos de animais sacrificados, junto dos corpos enterrados em posição fetal e no sentido leste-oeste, a sugerir que a alma ou algo desse gênero tomasse a direção do Sol para renascer nalgum mundo desconhecido do pós-morte.

   Com o evoluir da humanidade, os ritos iniciáticos tornaram-se prática constante, presentes nas mais díspares sociedades, primitivas ou não. Sob o aspecto sociológico, tais cerimônias visavam a dramatizar uma mudança significativa no status de cada iniciado, quer para conferir-lhe novas aptidões, transformando-o, por exemplo, num xamã, sacerdote, caçador etc, quer para transmitir-lhe solenemente algum saber secreto próprio da cultura, geralmente capaz de perpetuá-la, fossem as leis supremas da natureza ou a prática da agricultura.

    Iniciações são processos paradoxais; se por um lado visam à ampliação da consciência por meio de vivências únicas que trazem o aprimoramento pessoal, por outro nos incitam a romper os limites dessa mesma consciência, fazendo nascer em cada neófito a vontade inata de saltar no desconhecido universo de si mesmo. A iniciação, em seu sentido pleno, faz morrer; o aprendiz deve entregar-se à morte, para que saia renascido pela saída/entrada que o leva a outra dimensão. A morte iniciática nos promove à rara condição de espectadores do mistério. Intuitivamente, todo iniciando sabe que para renascer deverá primeiro regressar ao seio da terra, e encontrar em suas entranhas o útero de onde poderá ser novamente parido. Simbolicamente deve, portanto, voltar ao estado predecessor da vida, à sua imensa escuridão particular. Só por meio do contato com a noite que trazemos em nossas próprias cavernas é que compreenderemos, por contraste, o paradoxo dessa inexorável condição, a de estarmos morrendo e renascendo a cada instante. Sem essa visão profunda, nenhum ser se completa, e passa pela vida em brancas nuvens, somente sob a luz do dia. É necessário, pois, que busquemos o mundo subterrâneo que nos suporta.

Texto de Paulo Urban, publicado na Revista Planeta, edição nº 353, fevereiro/2002

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